19.12.09

Conto de Natal

(Correndo o risco de me tornar repetitiva, volto a publicar este texto que escrevi a 30 de Dezembro de 1993, pois continua muito actual na nossa vida e no meu pensamento...)


Era uma tarde cinzenta, húmida e triste, como tantas outras tardes d'Inverno, lá para o final de Dezembro.

A Baixa Lisboeta movia-se num frenesim de carros e pessoas circulando, com ou sem rumo, mas cheios de pressa. Pressa de chegar a horas ao sítio X, pressa de apanhar os ineficientes transportes públicos, pressa de andar, pressa de comer, pressa... pressa de viver...

Pelo meio desta gente apressada vagueiam como «zombies» homens, mulheres, velhos e crianças que não têm onde se abrigar da noite fria, que não têm com que alimentar os seus cadáveres já cansados e sem forças e que não têm vestes suficientes para cobrir o corpo semidesnudo e esquelético.
A vida tem sido tão cruel para estes vadios ou pedintes (nome corriqueiro para designar estes pobres infortunados que são tão diferentes de nós, mas tão iguais) que alguns deles, se têm nome, Pai, Mãe ou família já o esqueceram ...

Vemos, então, os pedintes ou vadios a deambular pela cidade à procura de melhor sorte ou de uma alma caridosa que lhes dê algo, de preferência dinheiro, para comerem ou para sustentarem os vícios e os «prazeres da vida». Senão, vemo-los sentados ou deitados em bancos de jardim, ou mesmo no chão, dormindo ou esperando a morte ...
Nós, pessoas, passamos por eles mas não olhamos, não ligamos pois temos mais em que pensar e, para além disso, preocupamo-nos mais facilmente em ter compaixão e pena pelas vítimas da Guerra e da Fome em países longínquos em vez de abrirmos os olhos para aquilo que se passa tão perto mas, por vezes, tão longe...

Foi num destes quadros tão normais da vida quotidiana lisboeta, que vi um homem esfarrapado e sujo, com um olhar triste e desesperado que, implorando, dizia: «Tenho fome!». Mas toda a gente passava por ele e não o ouvia.
«Dêem-me de comer, tenho fome!», suplicava ele a cada «passant» que se limitava a virar costas e a continuar o seu precioso caminho. No entanto, nele surgiu um olhar de esperança e um sumido sorriso nos lábios quando houve alguém, diferente de todos os outros, que parou e escutou-o. «Não me dê dinheiro, dê-me de comer!», retorquiu o homem e o seu olhar brilhou quando essa pessoa, sem pensar duas vezes, lhe proporcionou (o que para muita gente não passa de um Snack) o que, para ele, se tornou num verdadeiro banquete.
«Bem haja e Feliz Ano Novo» disse ele agradecendo e despedindo-se com um brilho cintilante no olhar. Quem sabe daqui a quanto tempo este homem voltará a comer, mas para ele este dia tornou-se num dia de Natal (quase de certeza que ele nem sequer Natal teve), por ter havido alguém que viu para além daquilo que os seus olhos lhe mostravam ...

É tão fácil fazer de cada dia um dia de Natal !
Se ao menos as pessoas tentassem ...

1 comment:

BA said...

É por estas e por outras que eu gosto de ti... e nunca o saberei dizer quanto!